quinta-feira, 30 de maio de 2019

Folhas de Chá


Agora, podem acompanhar as minhas aventuras literárias no meu outro blogue - FOLHAS DE CHÁ! Sugestões literárias, opiniões, novidades e refexões, é o que podem encontrar neste meu blogue inteiramente dedicado ao maravilhoso mundo dos livros (a minha grande paixão). Espero-vos por lá!

quarta-feira, 22 de maio de 2019

LIVROS | Se Isto é Uma Mulher - Sarah Helm


Já li este livro há algum tempo e, volta e meia, dou por mim a pensar nele, nas histórias verídicas que encerra e na forma visceral e profunda com que me tocou.

Se Isto É Uma Mulher, da autoria da jornalista Sarah Helm, retrata aquilo que foi o tão pouco conhecido campo de concentração de Ravensbrück - um campo-prisão (de trabalho escravo e de morte) só para mulheres (talvez, por isso, tão esquecido e renegado). Nele foram encarceradas mulheres vindas de vários locais, não só judias, mas também presas políticas (comunistas, soldados do exército vermelho, membros da resistência), sem-abrigo, prostitutas, criminosas, testemunhas de jeová e de outras religiões, enfim, as mulheres que a ditadura nazi considerava "inferiores" e "conspurcadas". Durante a guerra, cerca de 132 000 mulheres, provenientes de mais de 20 países, passaram por Ravensbrück. Mais de metade destas mulheres morreram à fome, espancadas ou executadas a tiro ou nas câmaras de gás.

Apesar de apresentar uma realidade horrenda, este livro é um hino à força e à coragem das mulheres. Mesmo num sítio tão aterrador, sofrendo espancamentos constantes, sendo obrigadas a passar horas a trabalhar debaixo de neve e tendo direito a comer apenas uma vez por dia, muitas destas mulheres conseguiram resistir, sobreviver. Apoiaram-se. Ajudaram-se. Protegeram-se.

Mulheres como a comunista Olga Benario, que não abdicou nunca dos seus ideais políticos e que, juntamente com as presas políticas comunistas, organizou uma espécie de irmandade que as levou a conseguir sobreviver da melhor forma possível aos horrores do campo de concentração. Olga tornou-se numa espécie de líder querida, justa, amiga. Foi executada na câmara de gás. Em sua homenagem foi construído um memorial/estátua - Tragende - que representa o momento em que Olga pegou numa companheira desfalecida e a carregou sozinha nos braços. É uma imagem simbólica, que representa a união entre as mulheres, mesmo perante tantas dificuldades e miséria.

Também Margarete Buber-Neumann me tocou, pelo facto de ter passado grande parte da vida em campos de concentração: primeiro nos campos de trabalhos forçados de Estaline (por ter desertado do partido comunista) e depois em Ravensbrück. Margarete conseguiu sobreviver até ao final da guerra, quando foi libertada. No campo de Ravensbrück fez de tudo para sobreviver e para ajudar as companheiras a sobreviverem. Ao início, foi ostracizada pelas prisioneiras comunistas (por ser uma desertora) mas conseguiu superar todas as provações e manter-se viva até ao fim.

Kathe e Rosa, as amigas inseparáveis que se ajudaram e protegeram mutuamente até serem separadas pela morte (Kathe foi executada).

Krysia, a polaca que fez parte do grupo de jovens que foi alvo de experiências médicas na enfermaria do campo de concentração [injectavam bactérias juntamente com estilhaços nas pernas das mulheres para lhes provocarem gangrena e tétano, entre outros horrores mais] e que encontrou forma de escrever cartas secretas para o exterior usando a própria urina. Foi Krysia que denunciou as experiências macabras de que eram alvo as mulheres de Ravensbrück. Conseguiu sobreviver até ao final da guerra.

Temos também Yevgenia Klemm, soldado do Exército Vermelho, que foi capturada juntamente com outras soldados. Tornou-se na sua líder e na sua força. Foi graças a Yevgenia que muitas das mulheres conseguiram aguentar-se. Foi Yevgenia que impediu que o seu grupo de mulheres fosse violado aquando da libertação do campo. Depois da guerra, foi considerada traidora do partido comunista por ter permitido que as mulheres fossem capturadas. Yevgenia aguentou cerca de três anos no campo de concentração, sendo submetida às maiores atrocidades. Conseguiu sobreviver, por ela e pelas suas camaradas. Aguentou tudo. Só não aguentou o facto de ser considerada traidora e desertora. Suicidou-se pouco tempo depois do fim da guerra.

Loulou Le Porz e Violette Lecoq, a médica e enfermeira francesas, que se tornaram amigas inseparáveis e que, juntas,  foram os anjos do  Bloco 10 [o bloco da morte, para onde eram enviadas as mulheres gravemente doentes]. Contra todas as faltas de meios, Loulou e Violette, ainda assim, conseguiram salvar muitas mulheres da morte. Chegou uma altura em que as mulheres doentes eram executadas para não darem mais despesas. Loulou e Violette conseguiram evitar muitas das execuções, escondendo as mulheres doentes e tratando delas conforme podiam.

Não poderia deixar de falar, também, de Johanna Langfeld, a tirana chefe das guardas que, a certa altura, deixa de conseguir compactuar com tamanhas atrocidades e é despedida. Johanna Langfeld acaba por ter um certo interesse, na medida em que vive numa constante dualidade de sentimentos: por um lado, acredita cegamente nos ideais nazis, por outro, não consegue compactuar com a violência cada vez mais extrema e com as execuções levadas a cabo no campo. Anos mais tarde, num estado debilitado e de quase loucura, vai procurar Margarete Buber-Neumann para lhe pedir desculpa por tudo o que fez no campo. Como estas mulheres há muitas mais. Muitas, muitas mais. Apenas seleccionei algumas para dar o exemplo e para vos deixar com um pequeno vislumbre daquilo que podem encontrar no livro.

As atrocidades relatadas tornam-se cada vez piores a cada página virada. As experiências médicas macabras, os bebés que eram mortos à nascença, o kinderzimmer, onde as crianças eram deixadas a morrer à fome, à sede e ao frio,  o bunker, onde as mulheres eram espancadas até à morte, as câmaras de gás e as execuções a tiro, enfim, uma série de factos difíceis de imaginar mas que aconteceram.

Convém ainda dizer que Ravensbrück foi dos últimos campos a ser libertado. Muitos outros o foram primeiro, antes do fim da guerra, por entidades da Cruz Vermelha. Ravensbrück não. Aquelas mulheres, as que sobreviveram, foram as últimas a serem libertadas.

Se Isto É Uma Mulher é mais do que um livro. É história. A nossa história enquanto humanidade. Foi, talvez, o livro mais difícil que li até hoje. Na minha opinião, é um livro que toda a gente deveria ler. Digo mais, é um livro que todas as mulheres deveriam ler. É um pedaço importante da nossa história enquanto género feminino. A prova de que a força, a resiliência, o instinto de sobrevivência e a união entre mulheres é capaz de tudo, é capaz de tanto.

terça-feira, 21 de maio de 2019

LIVROS ANTIGOS | Poesias Dispersas - Guerra Junqueiro | Primeira Edição, 1920


Poesias Dispersas, de Guerra Junqueiro. Uma primeira edição, de 1920, da Livraria Chardron (a agora reconhecida Livraria Lello). Um achado maravilhoso numa feira de antiguidades que houve este fim-de-semana, aqui em Amarante. Um presente do meu Pedro querido, que tão bem conhece esta minha paixão por livros antigos.

As páginas amareladas e gastas, acusando a passagem do tempo, quase cem anos de vida, acariciadas por tantas mãos, guardando tantas almas em si, tantas emoções, tantas vidas. Andando debaixo de tantos braços, abraçadas contra o peito com tantos corações com diferentes compassos. Viajando além fronteiras ou quedando-se numa aldeia cheia de sol e cheia de verde, aninhadas ao lado de quem fizeram suspirar.

É esta a magia dos livros antigos. A história que contam e as histórias que encerram, perpetuando, não só os seus autores, mas também a alma de todos aqueles que os amaram e cuidaram.

Os livros merecem amor e respeito. É isso que os faz sobreviver e adoçar tantas vidas diferentes, atravessando tantos anos e tantos lugares, tantos jeitos de ser e tantos corações.

LIVROS | A Carne - Rosa Montero


A vida é um pequeno espaço de luz entre duas nostalgias. A nostalgia do que ainda não vivemos e a do que já não poderemos viver.

É assim que começa A Carne, mais um livro de Rosa Montero que li em pouquíssimo tempo.

Soledad, uma mulher que acaba de completar 60 anos, envolve-se com um gigolô. Este é o mote para este livro, a dita história central. Mas, para mim, este livro é muito mais do que isso. É uma reflexão sobre a passagem do tempo, que pode ser tremendamente cruel e dolorosa; sobre a nostalgia e a saudade do que poderia ter sido; sobre as decisões e os momentos-chave que podem condicionar toda uma vida, mesmo que esta esteja ainda a começar.

Além disso, ao longo do livro são partilhadas algumas histórias relativas aos chamados "escritores malditos". E, confesso, foi destas histórias dentro da história aquilo de que mais gostei. Por isso, para terminar, deixo-vos com a definição de escritores malditos que é feita neste livro (e com a qual tantos de nós se identificam):

Sermos malditos é sabermos que o nosso discurso não tem eco, porque não há ouvidos que consigam entender-nos. Sermos malditos é não coincidirmos com o nosso tempo, com a nossa classe, com o que nos rodeia, com a nossa língua, com a cultura a que se supõe pertencermos. Ser maldito é desejarmos ser como os outros, mas não conseguirmos. E querer que nos amem, mas só causarmos medo, talvez riso. Ser maldito é não suportarmos a vida e, sobretudo, não nos suportarmos a nós próprios.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

LIVROS | Até Que O Amor Me Mate - Maria João Lopo de Carvalho


Hoje trago-vos mais um romance histórico maravilhoso, de uma das minhas autoras portuguesas preferidas: Maria João Lopo de Carvalho. Até Que O Amor Me Mate, um livro sobre os amores e desamores do nosso poeta maior: Luís Vaz de Camões.

Para escrever este livro, a autora percorreu o caminho marítimo que Luís de Camões fez quando foi chamado a integrar uma das comitivas que partia para a Índia, o que lhe permitiu conhecer os vários portos e as várias terras onde Camões esteve e onde viveu alguns dos seus amores. Ao longo do livro, a autora dá voz às sete mulheres que marcaram a vida de Camões: Ana de Sá, Violante de Andrade, Catarina de Ataíde, Francisca de Aragão, Inês de Sousa, Dinamene e Bárbara.

Ana de Sá foi quem criou Luís Vaz como filho. Violante de Andrade era uma condessa poderosa, que foi infiel ao marido a vida toda e que fez de tudo para que Camões fosse enviado para longe do reino para, assim, não se envolver com mais nenhuma mulher. Francisca de Aragão era uma dama fútil e caprichosa, que só percebeu que amava verdadeiramente o poeta quando foi obrigada a casar com outro homem. Catarina de Ataíde foi, talvez, o amor mais puro de Camões, a Natércia dos seus poemas, aquela que esperou por ele e que, de certa forma, dá nome ao livro, pois diz-se que morreu de amor e saudade. Inês de Sousa é uma personagem colectiva, que representa todas as órfãs do reino que eram enviadas para a Índia para casarem com os homens que lá estavam; o seu amor por Luís Vaz é platónico. Dinamene era uma jovem de Macau que conheceu Camões aquando da sua estadia por lá e que fugiu com ele para a Índia, mas que acabou por morrer no naufrágio [o mesmo em que Luís de Camões consegue salvar os Lusíadas]. Bárbara era uma escrava negra que Camões conheceu na Ilha dos Amores [retratada nos Lusíadas] e que abandonou para regressar a Portugal. Destas sete mulheres, apenas Catarina, Dinamene e Bárbara permanecem vivas na poesia de Camões, sendo vários os poemas em que lhes é feita referência.

Este livro é, de facto, extraordinário. É um livro de amor, do poeta dos amores. Faz também várias referências aos Lusíadas, cujo nome inicial era As Lusíadas, mas que a inquisição não permitiu pois As era feminino. Através deste livro, podemos também descobrir um pouco mais da vida de Camões, da forma hostil como era tratado, vivendo e morrendo praticamente na miséria e sem qualquer reconhecimento digno da sua grandeza e do seu talento. Quem diria que, mais de quinhentos anos depois, ele continuaria a ser o nosso poeta maior e os seus Lusíadas, assim como toda a sua obra, continuariam a ser o nosso exlibris e um motivo de orgulho imenso. 

Aceitem a minha sugestão e leiam este livro. É tão bonito. E fala de amor, esse 'mal que mata e não se vê'.

terça-feira, 7 de maio de 2019

LIVROS | A ridícula ideia de não voltar a ver-te - Rosa Montero


Rosa Montero era uma autora que queria muito ler este ano e, para começar, escolhi este livro - A ridícula ideia de não voltar a ver-te. E posso dizer que foi uma boa escolha.

Partindo da leitura do diário que Marie Curie escreveu após perder o marido, Rosa Montero expia a sua própria dor e o seu luto, pois também ela perdeu o seu companheiro de vida. Ao longo do livro, ficamos a conhecer um pouco melhor a admirável Marie Curie, sob uma perspectiva mais pessoal e emocional.

Marie Curie, a mulher que descobriu o rádio e o polónio, a primeira mulher a receber um Nobel (repetindo a proeza duas vezes!), a mulher que dedicou a vida à ciência e à investigação, a mulher que, durante a primeira guerra mundial, colocou as suas descobertas ao serviço da medicina, conduzindo uma unidade móvel que fazia raios x aos feridos de guerra, a mulher que amou e casou por amor e que viu esse grande amor morrer, levando-lhe metade de si.

Numa época em que a ciência (e quase tudo) era território proibido a uma mulher, Curie foi um exemplo de coragem e perseverança (e a autora também faz uma reflexão muito interessante e pertinente sobre a questão do feminino e do feminismo, temas que continuam a ser importantíssimos nos dias de hoje). Além disso, foi também uma mulher que amou e foi amada e que não mais voltou a ser o que era depois de perder o seu Pierre.

E é sobre isso que este livro nos faz reflectir: quando perdemos alguém que amamos, nunca mais voltamos a ser o que éramos. Reinventamo-nos, isso sim. Mas a dor, essa permanece em todos os dias marcados pela ausência e pela saudade.

É um livro muito bonito, escrito de uma forma muito honesta e muito verdadeira. Fiquei com o coração descompassado, principalmente nas últimas páginas. Mas são esses livros, que mexem cá dentro, aqueles que realmente valem a pena ser lidos.


sábado, 4 de maio de 2019

LIVROS | A Desumanização - Valter Hugo Mãe


Talvez a tristeza fosse um modo de envelhecer.

Talvez esta frase possa resumir parcialmente este livro, mais um livro que me tocou e que me deixou meio ensimesmada quando terminei.

A Desumanização é um livro sobre morte. Sobre a morte de Sigridur, irmã gémea de Halldora, a sua outra metade. Sobre aquilo que a morte é capaz de fazer aos que ficam, aos "menos mortos". Porque quando alguém que amamos, que nos é metade, morre, nós também morremos. Uma parte de nós morre, perde-se para sempre. Tal como aconteceu a Halldora, que foi morrendo, um bocadinho todos os dias, depois de perder a irmã. E tal como aconteceu à mãe, que se tornou fria e má para expiar a dor de perder uma filha. E ao pai, que se refugiou nos poemas para amenizar essa perda.

De facto, a morte tem esse poder. E desconfio que seja um acto isolado. Não se morre, vai-se morrendo, continuamente, na vida e nos dias dos que por cá continuam.

É um livro profundamente delicado e ao mesmo tempo visceral, cru. Como um dedo que nos toca na ferida que ainda não sarou. Que nos faz recordar as nossas perdas, quem nos morreu e o que nos morreu. Mas é também um livro de uma profunda beleza, uma carta de amor à Islândia e à sua peculiaridade. Remete-nos ainda para o poder redentor dos livros e da poesia, o que o torna sublime.

"A poesia é a linguagem segundo a qual deus escreveu o mundo. Nós não somos mais do que a carne do poema". E assim termino esta partilha, agradecendo a Valter Hugo Mãe por mais esta maravilha literária.